Se eu tivesse escrito esse texto alguns meses atrás teria começado com Feliz 2020, era um ano que me parecia tão promissor, a começar pelo design dos números 20 e 20 em sequência. Passado alguns meses descobrimos que ele seria marcante, traria muitas rupturas, mas ao mesmo tempo dor e sacrifícios, isso porque fomos assolados por uma pandemia.
Essa trouxe para o mundo um conjunto de sentimentos, inconstâncias entre outras sensações, estamos presos em nossas casas, em quarentena. Alguns há mais de um mês (me incluo nesse alguns) e outros estão trabalhando por aqueles que podem ficar em casa (inclusive gratidão há esses) e tem uma minoria também que foi enfeitiçada pela ignorância de um dos nossos governantes, infelizmente.
Já escrevi muito no meu diário sobre esse momento triste que o planeta está vivendo (inclusive resgatei meu rascunhos em papel e caneta há um tempo), revirei as entranhas, pari dores e ativei reflexões que estavam adormecidas nas profundezas do meu eu.
Engraçado que boa parte da minha vida, prezava pelo eco-centrismo, pela coletividade, pelo amor aos outros e a natureza, por uma sociedade mais justa e sustentável, enquanto eu estava ali lutando pela utopia que eu acreditava, tinha uma maré de pessoas remando no movimento contrário, no egocentrismo... Vivendo a loucura do capitalismo (na qual eu também participo, vide meu modo de vida agitado vivenciado nos últimos anos), na competição, no consumo desenfreado, na desconexão com a natureza.
Ao viver nessa sociedade e tentando de alguma forma lutar para transformá-la me deixei adoecer, e adoecer metaforicamente, não fiquei doente física ou mentalmente, mas me sentia cansada, desgastada e sem forças para continuar, mesmo intuitivamente sabendo que precisava tomar folego, continuei, continuei firme, sem ceder. Eis que em final de 2018 eu morri, desmoronei por dentro, meu interior se desfaleceu, durante todo 2019 passei de alguma forma tentando me reerguer, em um processo que denominei de cura, e esse texto é sobre isso, é sobre 2019, sobre mim e não sobre os outros.
Agora que estamos em meio há uma pandemia tive muito tempo para pensar, e comecei a refletir o quanto o ano que se passou foi importante para mim. Comecei recusando 2 faculdades, essas que eu queria muito entrar e que tinha prestado vestibular com a intenção de cursá-las, mas entendi que se eu ingressasse em outra graduação não romperia o ciclo que vivia há anos; em seguida eu me formei em psicologia, um curso que durante 5 anos me trouxe milhares de sensações que variavam da euforia ao completo desespero. Resolvi continuar trabalhando em um lugar que tinha me acolhido também no ano anterior e que me causava múltiplos sentimentos, mas na maior parte positivos, afinal eu estava com pessoas maravilhosas ao meu redor e estar solitária nunca foi meu forte, esse lugar me deu confiança sobre quem eu era e sobre quem gostaria de ser e fazer.
2019 também foi ano de viajar, e viajei muitas vezes. Já diziam que as viagens curam a alma...Foram momentos que me fizeram lidar com a minha própria companhia e com tudo que se instaurava dentro de mim. Duas dessas foram internacionais, carimbei meu passaporte com um selo do Equador e um do Peru, duas aventuras nas quais venci vários medos e minhas próprias limitações. Também conheci Itajubá em uma loucura bate e volta de 16 horas de ônibus, senti 3 vezes a brisa do mar em Ubatuba e revisitei São Paulo por mais duas vezes (e minha relação de amor e ódio por lá continuou intensa).
Esse também foi o ano das oportunidades profissionais, compartilhei meu conhecimento em diferentes palestras para diferentes públicos, foi palestra sobre "Gestão de Pessoas no Terceiro Setor", "Processo seletivo para alunos de graduação", "Como elaborar projetos de carreira para empreendedores"; "Como prospectar comunidades e motivá-las", entre outros temas, fiquei feliz em perceber que os conhecimentos que adquiri de alguma forma serviram para outras pessoas.
No meio do ano passei no mestrado, foram dias de incerteza , estudo e indecisão sobre o projeto que eu queria escrever, também no mesmo período conduzi vários projetos em educação no meu trabalho que me orgulho demais, conduzir uma área praticamente sozinha foi um aprendizado e tanto.
Por último, mas não menos importante fechei feridas que assolavam meu coração e me dei a oportunidade de viver uma nova história.
Mas o mais importante desse ano, é que ele me permitiu amadurecer e descobrir que está tudo bem em não ter controle de todas as coisas. É possível viver fazendo menos, 2019 me preparou para desacelerar, me ensinou que isso era necessário, depois dele eu estava pronta para parar, respirar e dar espaço para o meu eu interior se recuperar. Esse "eu interior", inclusive parou de gritar por calma, porque estava decidida a dar a ele o que merecia, respeito. Estava disposta a entrar em uma viagem individual que envolvia parar, adotar o egocentrismo de olhar para mim e para mais ninguém por um período, que preferi não determinar.
2020 chegava e prometia poucos planos, porque eu queria ficar quieitinha e pela primeira vez em muitos anos eu estava disposta a cumprir minha promessa, e isso se devia ao fato de ter me preparado longamente para isso.
Até que imprevisivelmente o mundo fez não só a Bianca desacelerar, mas também a maioria dos humanos que habitam a terra, enquanto eu tentava de alguma forma adotar o egocentrismo para sobreviver, o planeta e uma pandemia se encarregaram de apresentar o eco-centrismo para a humanidade, o eco-centrismo e os seus princípios passou a estar presente no discursos de muitas pessoas que antes mal haviam parado para ouvir sobre ele. Não quero romantizar, longe disso, toda essa situação não é nem um pouco bonita e eu daria tudo para ela não estar acontecendo agora.
Mas em um pensamento muito auto-centrado inclusive, não consigo deixar de pensar de uma forma mística sobre o fato das minhas entranhas saberem que eu ia ser obrigada a parar e que ela de alguma forma me preparou. Desacelerar em 2020 iria acontecer por bem ou por mal, o que não sabia era que a pausa não seria só comigo, mas com o mundo inteiro... Diante de todo esse colapso que sorte a minha ter ouvido as profundezas do meu eu e ter tentado passar 2019 me planejando para me isolar.
Espero que minha cura termine junto com a pandemia, por que o planeta vai precisar de uma multidão para reerguê-lo e espero profundamente poder fazer parte disso, atualmente uma grande parte minha está fechada para balanço e estou tentando respeitá-la, enquanto uma outra está se contorcendo para não arregaçar as mangas já agora para fazer algo, uma vez que eu sei que esse momento exige muita mobilização e ação coordenada, porque os mais pobres sempre sofrem mais, inclusive durante uma pandemia.
Feliz foi 2019 e espero que possa haver esperança em 2020 e que seu processo junguiano de individuação seja promissor, não só o seu, mas o do mundo!
*Escrito em começo de abril de 2020 em um dos dias de isolamento que eu já não me lembro qual.
Feliz foi 2019 e espero que possa haver esperança em 2020 e que seu processo junguiano de individuação seja promissor, não só o seu, mas o do mundo!
*Escrito em começo de abril de 2020 em um dos dias de isolamento que eu já não me lembro qual.